Antónimo de Lógica: Ser benfiquista no Norte

Os benfiquistas que existem no Norte são um pouco como as pessoas que defendem a sua religião sem sequer terem lido o livro pelo qual se rege essa sua religião, sem questionarem o motivo pelo qual o fazem. Pior, são como aqueles que se suicidam porque alguém lhes disse que a sua religião considera isso um acto heróico com direitos a benesses póstumas. São crentes em ideias pré-concebidas, sendo que essas ideias pré-concebidas são de tal modo interiorizadas desde que são criancinhas que a partir de um ponto são simplesmente as ideias deles também sem sequer se aperceberem que na verdade foram “plantadas”. 

Exagerado? Talvez não. 

Pergunta-se a um Nortenho benfiquista o motivo pelo qual é adepto de um clube que está lá longe, que só vêem pela televisão, que visitam muito de vez em quando (se é que alguma vez visitaram) e que nos últimos tempos não ganha nada que galvanize os adeptos e a resposta será; ou porque é de família (e nem seria aceite outra escolha por parte dos familiares) ou não querendo assumir a influência da família e mostrar independência a resposta é… porque sim. 

Não têm nada que os ligue aquele clube a não ser a família que também é adepta do clube da capital do país. Mas tudo isto também pode ser dito em relação ao Sporting. Até haveria uma certa lógica que este raciocínio funcionasse ao contrário. Lisboa é uma cidade formada por muitos deslocados. Gente que saiu da sua aldeia em Trás-os-Montes, do Minho do Alentejo e um pouco de todos os lados do país, por isso até tinha lógica que houvesse em Lisboa muitos adeptos dos vários clubes nacionais, mas não, a maioria dos lisboetas, bem sabemos, são benfiquistas e sportinguistas. Hoje me dia até há em Lisboa um numero crescente de adeptos Portistas, que penso que seja porque de há uns anos a esta parte tem havido uma força açambarcadora de todo o tipo de industria e interesses na capital e que fez com que muitas pessoas sentissem necessidade de se mudarem para se realizarem profissionalmente. 

Benfica, Lisboa e Portugal são tudo o mesmo, segundo Luís Vieira. Não estará muito longe da verdade pois este país sui generis tem a capacidade de ter pessoas a queixarem-se, a protestarem e a manifestarem- se contra a centralidade do país e a reivindicarem mais apoios e mais dinheiro para a sua região e para as suas gentes mas depois acham bem que o Benfica seja beneficiado pela Câmara Municipal e por empresas públicas e que esse dinheiro não faz falta para o resto do país ou no mínimo para o resto dos munícipes de Lisboa. Este sentimento de que se confunde o clube com o país é o que mais me faz sentir que realmente há algo de errado com a mentalidade de todo um povo. Começa desde logo pela denominação, é que o nome é especificamente de um bairro da capital, e não se vê este tipo de apoio alargado a um clube só num país inteiro como este exemplo português. 

Não se vê, e não se percebe logo, graças talvez à ditadura que implementou este benfiquismo cego, mas em Espanha o Real Madrid também foi o clube de Franco e por isso era de todo o povo espanhol também, porém hoje em dia tem a sua massa adepta concentrada na sua cidade sem deixar de ter, evidentemente, os seus nichos de resistentes um pouco por todo o país. Mas em Espanha também se vê muita gente que se revolta contra o Real exactamente porque lhes lembra o Franquismo. 

Em Portugal ninguém se lembra da imposição do clube de Benfica e continuam a vociferar frases desse tempo achando-as como sábias e representativas do seu carácter e raciocínio próprio, como por exemplo: “Quem não é benfiquista não é bom chefe de família”. 

Esta frase por si só não vale nada mas estudada e interpretada na sua acção socializadora mostra muito da razão pelo qual o Benfica tem os adeptos que tem. Isto era o tipo de pensamento que imperava no tempo da outra senhora e que era interiorizado, entre um copo ou outro, como sendo um facto indesmentível. Dou aqui um exemplo pessoal. O meu tio conta-me que quando era pequeno e enquanto crescia nunca ouviu falar do FC Porto, nem sabia que existia até chegar aos seus 20 anos. Conta-me que o meu avô era benfiquista à força pois a PIDE era visita frequente do seu estabelecimento porque desconfiava que ele era um revolucionário, que efectivamente era. Chegou a ajudar muita gente que andava fugida e com fome e outros que queriam fugir para o estrangeiro (foi através de um desses foragidos que a minha família foi parar à América e lá nasceu a minha mãe, e eu também) por isso havia que dar ideia que era um bom seguidor das “opiniões” dos governantes e para além disso provavelmente muitos dos clientes dele eram também benfiquistas (se calhar também eles “convencidos” pela força do regime), por isso o meu avô não tinha outra hipótese. Também não mudou de clube depois da ditadura porque para ele o futebol tinha tanta importância como as ervas daninhas da Suécia. Sei é que naquela altura a lavagem cerebral era tal que de norte a sul todos tinham que ser benfiquistas, dizia-se que dava alegrias ao povo, e fazia assim o povo se abstrair da miséria que obrigou os portugueses a emigrarem, a passarem fome, esqueciam os presos políticos e esqueciam-se da tristeza em que viviam. 

Naquela altura até os melhores jogadores eram obrigados a jogar pelo clube do regime, como todos bem sabemos. Os jogos duravam o que tivessem de durar até o Benfica chegar ao resultado que lhes interessasse e só faltava haver uma lei que dissesse que o Benfica não podia perder jogos. 

Voltando ao assunto, mas afinal o que pode ligar alguém do Norte ao Benfica? 

O factor família é sem duvida uma resposta mas… é pouco para os dias de hoje. Estamos numa altura em que se dá mais liberdade de escolha e estamos numa altura em que já nem se usa “se eu sou os meus filhos também têm de ser”, tanto que não se usa que conheço muitos casos (mesmo muitos) de Portistas filhos de benfiquistas e sportinguistas. 

Dizia no outro dia um benfiquista que se eu sou Portista por ser apenas de um sitio próximo ao clube que apoio então que tenho o mundo ao contrário. Eu acho que basta ser de um sitio para se gostar e apoiar quem e o que nos rodeia. Dizia ele que é benfiquista e seria sempre mesmo que tivesse nascido do outro lado do mundo. Não seria de certeza. Eu nasci noutra parte do mundo e nem sequer, enquanto lá vivi, soube o que era o FC Porto, não ligava ao futebol, no entanto hoje em dia posso dizer que sou Portista porque estou perto do meu clube, porque me identifico com a mentalidade do FC Porto (que será qualquer coisa do género: Não partimos e nem nos vergamos perante nada nem ninguém), porque defendo sempre os que são maltratados por quem tem o poder e porque gosto de clubes com garra e ambição de chegar sempre mais longe. Nunca fui influenciado por ninguém para ser deste ou daquele clube, vim há 11 anos para Portugal e fiz as minhas opções livres de influências ou pressões. 

Por isso eu posso dizer que, eu que nasci noutra parte do mundo e sei hoje que por aquilo que sou e da maneira que sou, só podia ser Portista, eu tenho crenças que me aproximam o meu clube, que me fazem identificar com o meu clube,e não só o facto de estar (relativamente) próximo é o motivo para eu ser Portista, mas é-o também. 

No entanto acho esse factor como o mais determinante a nível global, senão vejamos: 

Não há adeptos do Manchester em Londres (em numero significativo) nem adeptos do Bayern Munique em Hamburgo nem há adeptos da Fiorentina em Milão, nem há adeptos da Catalunha a festejar nas ruas quando o Real ganha o campeonato, nem se vê ninguém em Trafalgar Square a festejar quando o vencedor do campeonato é o Manchester, nem se vai ver ninguém em Roma a festejar se o Inter de Milão ganhar a Liga dos Campeões. Podem até os grandes colossos europeus ter adeptos em todo mundo mas são colossos que chegam com a sua máquina de propaganda (maquinas eficazes e suportada por dinheiros deles próprios, e não por toda a comunicação social do país de onde são) a todo o lado. Já o clube com a denominação de uma freguesia de Lisboa tem essa maquina sem custos alguns. Coisa única no mundo e típica de países mais "atrasados mentalmente". Não existe clube que tenha sido apoiado e sustentado por uma ditadura que depois de esta cair e que tenha continuado a ser apoiado por todo um país que se sentiu livre para optar (o Real Madrid podia ser outro benfica mas os espanhóis pelos vistos são mais inteligentes) e livres para deixar de apoiar o clube que lhes tinha sido imposto. A região, o sitio onde se nasce e/ou onde se vive é o sitio com que nos identificamos, faz parte da maneira de ser de todos nós. Não é por acaso que nos campeonatos distritais se vêem pessoas que apoiam o clube do sítio onde moram e quando mudam de casa e vão morar para outra freguesia mudam também de clube “pequeno” que apoiam passando a apoiar o do novo sítio. Ninguém entra numa luta a defender o bairro rico se é do bairro pobre ou vice-versa, e o mesmo se aplica em tudo. Ninguém defende o sítio X se não tem quaisquer ligações com esse sítio. Aliás, vou aqui fazer uma citação do site maisfutebol acerca da eliminatória da Liga dos Campeões, entre Barcelona e Inter de Milão, em que por causa da maneira como a comunicação social da Catalunha tratou (e sempre tratará) os adversários da equipa da sua região, normalmente fazendo uma espécie de guerra psicológica tentando destabilizar o adversário achincalhando-o, escreveu então um jornalista isto: “O que faz alguma media da Catalunha teria sido execrável se em Espanha esta forma de tomar partido, no futebol, não fosse natural. Quase obrigatória.”. 


É por isto que eu digo que ninguém defende aquilo ou aqueles com quem não tem afinidades. A minha afinidade vem TAMBÉM pela proximidade mas por muito mais também, como já o disse anteriormente. 

Acho muito mais válido ser do FC Porto por ser/estar do/no Norte do que ser do benfica e ser minhoto ou transmontano só porque o pai é que escolheu (escolheu uma ova, foi-lhe imposto e passou o "gosto" aos filhos). Há 2 clubes aqui no Norte (Guimarães e Braga) que têm muita massa adepta que eram até há uns anos atrás apoiantes de um qualquer outro clube lisboeta antes de serem pelo clube das terras deles. Felizmente isso mudou e cada vez se nota mais. Conheço muita gente que é hoje apoiante incondicional do Braga e do Guimarães quando já foram apoiantes de clubes lisboetas. 

Mas falar deste assunto é um acto inglório pois nada se muda e nada se altera e nada se consegue para além do “chover no molhado”. Ninguém (e muito menos em Portugal) dá valor ao que os outros dizem, por muita razão que percebam que o outro tem, se não forem do partido dele ou se não forem do clube dele ou porque simplesmente não vê as coisas como ele. 

Por isso eu sei que ter escrito estes milhares de palavras foi tempo perdido, e também não tenho a pretensão de “iluminar” ninguém, mas sei também que o escrevi, mesmo não fazendo nenhum benfiquista assumir que sendo do Norte não tem nada que o ligue ao Benfica de uma forma racional, é verdade e tem muita lógica. 

O Mística do Dragão agradece ao Steve Bracotelli a realização deste texto.

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Acrescento eu: agora vocês perguntam, mas e então os portistas espalhados pelo país, nomeadamente os portistas de Lisboa?
Facilmente justificável: o FC Porto é o clube da democracia, sem dúvida o melhor clube Português da actualidade, tem dominado o panorama futebolístico internamente, e conseguiu também grandes conquistas a nível Internacional. Portanto, é normal que conquiste adeptos por todo o lado.

O que não tem justificação é haver pessoal de 20 anos a festejar nas ruas de Vila Real a conquista do Campeonato dos túneis, como vi ontem. 

Faz-me muita confusão mesmo..é que por mais que pense, não consigo entender.

Senão reparem: esse pessoal vai estudar em Vila Real, porventura tirar uma Licenciatura..e depois? Provavelmente, terá de emigrar ou imigrar (para a capital do Império), pois não há trabalho na sua terra devido ao gritante centralismo que existe em Portugal. Mesmo assim, apoiam o Clube que é o símbolo dessa capital e desse centralismo.

Não consigo entender, mas texto do Steve ajuda a explicar. 

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6 comentários

  1. Belo artigo que sem dúvida vai de encontro aos meus pensamentos...

    Como pode haver tanta gente, que vivendo numa região que é constantemente vítima das maiores barbaridades políticas e económicas organizadas por lisboetas, é adepta de um clube que representa a podridão que rege a vida política nacional em especial os orgãos de poder, todos eles localizados na pocilga de lisboa ?

    É triste verificar as assistências dos jogos do campeonato em cidades como Coimbra e Leiria por exemplo...E é penoso pensar que no Porto, uma cidade que tem clubes com um palmarés fantástico como FC Porto, boavista e salgueiros, um clube como o benfica vai tendo adeptos num número relativamente considerável...

    Regionalização ? nem daqui a 1000 anos com pseudo-portuenses e pseudo-nortenhos como existem praí aos montes...

    http://saboraporto.blogspot.com

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  2. Excelente artigo..

    Mas isto vai mudar... Alias ja está a mudar...

    Vivo em Gaia e hoje quando vinha para a faculdade, respirava-se um ar puro sem o pó daqueles cachecóis eternamente guardados...

    O Porto é cada vez mais dos PORTISTAS!!!

    P.S. Para a próxima semana temos que ir em massa para os aliados!!!!

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  3. Muito bom texto, com muitas "bicadas" pertinentes, como aquela dos festejos noutras cidades por parte de adeptos de clubes rivais aos clubes da cidade onde querem festejar.
    Realmente é um esforço inglório pois os benfas não devem saber ler este texto com a devida distância e clarividência. O que a acontecer provavelmente ia levar muita gente
    às urgências dos hospitais com paragens cerebrais e tentativas de suicídio, por viverem tanto tempo "na mentira".
    Mas é sem duvida um bom texto, mais uma vez parabéns ao autor e ao "dono" do blogue também. É um blogue que sigo com bastante regularidade e o qual acho muito bom e inteligente.

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  4. Cheguei agora a casa, liguei na SIC e deu-me vómitos..estão a transmitir em directo a HOMENAGEM q a Câmara de Lisboa está a fazer ao benfica..o que se só mostra mais uma vez que o benfica campeão é algo raríssimo nos tempos que correm.

    É demasiado mau.

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  5. Obrigado Adolfo,

    e realmente a comparação que fiz no texto é muito actual por comparação das vitorias festejadas com o que queriam ontem fazer na Avenida dos Aliados.
    Não se vê isto em mais lado nenhum.
    Vou continuar a chover no molhado até deixar de ter forças ou até as coisas mudarem. E eu acredito que aos poucos já estão a mudar. Lentamente a coisa vai-se endireitando, muito lentamente, mas vai.

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  6. Parabéns Steve.

    Revejo-me completamente no sentido do teu texto.

    Quanto à tua fé de que isto está a mudar...

    Já não sou tão crente como tu!

    Está-lhes na massa, a estupidez doentia.

    É uma questão de cultura. Ou melhor, de falta dela!

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